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O Brasil e a Política Internacional


Vivemos uma semana bastante movimentada nas Relações Internacionais do Brasil e também no cenário político internacional. O Presidente Lula está em mais uma viagem à Cuba, e essa seria apenas mais uma não fosse um acontecimento que coincidiu com a chegada da comitiva oficial brasileira na capital cubana.
Zapata, um operário cubando preso em 2003, numa operação que foi cunhada de Primavera Negra, faleceu após greve de fome que iniciou ainda em dezembro do ano passado. Seu status internacional era de preso de consciência, ou seja, o preso político que não cometeu qualquer crime além do de discordar, sem que tenha cometido qualquer ato de violência. Zapata foi preso por desacato, com pena de três anos, mas teve a pena aumentada para 36 anos. Assim como ele, outras 25 pessoas também presas na mesma operação de 2003 tambem estão sendo mantidas encarceradas sob as mesmas acusações, fato esse que Zapata tentava chamar a atenção da comunidade internacional com sua greve de fome.

Rapidamente parte da mídia brasileira tentou imputar ao governo brasileiro e a Lula uma conivência e corresponsabilidade pela morte de Zapata. Em extensas reportagens, procuraram demonstrar o absurdo que é a falta de democracia ainda no século 21, mostraram como ainda hoje 90% da população cubana sequer sabe que Zapata morreu, porque o governo censura os jornais, as rádios e as tvs, e ainda estabeleceu estado de sítio na cidade onde ele foi enterrado, mantendo correligionários de Zapata presos em cárcere privado para não comparecerem ao enterro.
Acusam Lula de não ter recebido, através da embaixada em Havana, uma carta com pedido de auxílio de Zapata, e de ter se calado quanto à sua morte. Hoje, Lula disse lamentar que alguém morra por greve de fome, e que não tem o costume e não acredita ser positivo fazer comentários sobre os assuntos internos de outros governos. Entretanto, ano passado o Brasil tomou uma postura bem diferente no caso de Honduras, como vocês podem ler em artigo que publiquei neste blog.

Eu destaco entretanto as diversas “mesas redondas” que se formaram na mídia nacional para discutir o absurdo, a desumanidade da falta de liberdade de expressão. Dizem que Cuba é uma nação que precisa de socorro, chamam os oposicionistas cubanos de “grupos de libertação ou salvação nacional”, consideram as restrições, as planificações cubanas de violência aos diretos individuais. Para o bom leitor, isso já soou claramente como um posicionamento extremamente capitalista, liberal.

Ora meus queridos, que sociedade somos nós para chamarmos outra de desumana? Que autoridade temos de dizer que uma sociedade atenta contra um direito fundamental humano? Nos apegamos enraizadamente no direito de expressão, de organização. Somos da escola que acredita que o ser individual, isoladamente, vale mais que o conjunto dos seres humanos coletivamente. Somos os invejosos que não temos saúde pública decente, que amargamos uma das piores taxas de educação do mundo, o título de 5º país mais desigual, com pior distribuição de capital do mundo. Somos capazes de chamar de desumanos aqueles que garantem atendimento de saúde a qualquer um, independentemente de o plano de saúde cobrir este ou aquele procedimento, de chamar de inimigos dos direitos humanos aqueles que garantem a 100% da população o acesso à educação, ao saber.
Evidente que esta discussão do que é melhor: ditadura com serviços públicos excelentes ou liberdade individual com ineficiência pública é um debate muito profundo e que não iremos tratar aqui, mas é necessário pontuar que não podemos apontar o dedo para os direitos humanos dos outros quando não garantimos os direitos humanos em nossos domínios. Se queremos debater o direito de expressão, de vida, de saúde, de educação, enfim, os direitos fundamentais humanos, vamos nos debruçar sobre o PNDH com seriedade,e não ficar fazendo coro ao sistema Globo, que durante o regime militar ditatorial brasileiro era o braço disseminador da ideologia anti-comunista, anti-socialista, anti-coletivista e que buscava implementar o Estado mínimo, ou seja, espoliar o cidadão brasileiro das garantias mínimas de saúde, educação... e de vida.

Aliás, esses dois países citados acima (Cuba e Honduras) me lembram uma acusação constante da mídia reacionária nacional: a de que haveria uma onda golpista contra a democracia na América Latina. Foi assim que taxaram a crise hondurenha, as movimentações de Evo na Bolívia, e daquele que procuram personificar o novo líder comunista-comedor-de-criançinha mundial: Hugo Chavez.
Recentemente, Manuel Zelaya foi execrado por esta parcela da mídia brasileira como golpista, que procurou contra as leis nacionais conseguir um terceiro mandato, seguindo os passos do líder venezuelano Chávez, que estaria tentando fazer da América Latina um continente totalitário e anti-democrático. Disseram diversas vezes ser este um traço desta “esquerda” bolivariana, que por essência não coadunaria com a democracia, com o direito de expressão individual.

Em ‘quedas-de-braço’ entre o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia e Hugo Chávez da Venezuela, esta mídia sempre chamou Uribe de democrata reformista e Chávez de revolucionário totalitário. Tentaram inclusive, ano passado, insinuar que Lula estaria sendo incentivado a tentar um terceiro mandato por Chávez. Mas ontem esta mesma mídia silenciou.

Depois de um longo processo onde o presidente Uribe tentou, através de coleta de assinaturas para instalação de um referendo nacional, aprovar uma mudança constitucional para lhe permitir – adivinhem – um terceiro mandato, a mídia direitista brasileira procurou silenciar, esconder o fato que o baluarte democrático liberal da América do Sul, o eminente presidente fantoche do Tio Sam, também tentou fazer aquilo que eles chamam de “atentado à democracia”.
Uribe, no entanto, não conseguiu. O Supremo Tribunal da Colômbia decretou como ilegal a tentativa do terceiro mandato. Cai, assim, para os mais atentos, a esfinge da democracia sulamericana da vênus platinada.
Mas esta empenhada mega-empresa de telecomunicações nacional camuflou bem este revés dando destaque a outro tema: uma suposta aproximação do Brasil com o Irã, no assunto mais delicado que poderia ser: Energia Nuclear.

Algumas considerações esclarecedoras a priori: O Brasil tem, assim como outros 5 países, o direito de enriquecer o Urânio a 20%, ponto em que já seria possível desenvolver armas nucleares. A marinha brasileira, estima-se, tem esta expertise, e além disso, um reator mais eficiente e sigiloso. Entretanto, tudo isso é conhecido internacionalmente e o Brasil tem autorização negociada para enriquecer o Urânio e suas instalações nucleares estão sob constante inspeção internacional, além de a Constituição Brasileira proibir a produção de bombas atômicas e armas nucleares. O Irã, ao contrário, não tem autorização para enriquecer urânio, não abre suas instalações para inspeção interncional e mantem projetos secretos, além de possuir uma postura política e diplomática belicosa e de intolerância cultural e religiosa com outros países. Recentemente, Marmud Armadiunejhad, presidente do Irã, negou a existência do holocausto e desejou o fim de Israel. O Irã também é um país democraticamente instável, e culturalmente diferente dos preceitos modernos de direitos humanos: persegue homossexuais, mulheres e outros grupos minoritários.

O presidente iraniano visitou o Brasil ano passado, numa passagem marcada por protestos contrários. Agora o Brasil vai cumprir um ritual diplomático normal: retribuir a visita. Obviamente, a desculpa da visita é o contato com empresários e a realização de negócios bilaterais, mas o plano de fundo é a intenção brasileira de mostrar que é independente e capaz de mediar debates delicados e que nenhum outro país no mundo, nem os Estados Unidos, são capazes de enfrentar. Mostrar que além de país pacífico e socioeconomicamente importante interncionalmente, o Brasil está num patamar político e de estabilidade democrático que o credencia, acima de todos os demais, a encarar temas que a ONU titubeia em negociar. A intenção de tomar acento definitivo no Conselho de Segurança da ONU é uma das metas do governo Lula, que coloca como diretriz estratégica a projeção brasileira no cenário mundial no intuito de transformar este protagonismo brasileiro em investimentos e crescimento econômico dentro do país. Por isso, o debate sobre a compra dos aviões para a Força Aérea vai muito além do custo-benefício, inclui um forte viés político-diplomático com  França de Sarkozy, ferrenho e influente defensor do Brasil na ONU.

O Brasil, portanto, não vai ao Irã para apoiar seu plano nuclear, nem tampouco apenas para fazer negócios. Vai para demarcar um espaço que desafiará a qualquer outro país a igualar. Lula tem sempre orientado o Itamaraty a defender que a discussão da Energia Nuclear vai muito além do quesito segurança, avança para a soberania nacional, para as relações internacionais, para o enfrentamento de um debate de um novo posicionamento dos emergentes nos fóruns decisórios internacionais. Não é admitido mais que meia dúzia de países decidam, amparados por sua exclusividade de porte de armas nucleares, o destino de todos os outros países. O Brasil é a favor de um novo acordo a respeito do tema, ou proibindo indistintamente, ou liberando sob circunstâncias ampla e democraticamente negociadas.

Em conclusão, devo alertar que por mais que possa dar a impressão, este texto, assim como meu posicionamento, não tem a intenção de defender o regime venezuelano. O “Socialismo do Século XXI” proposto por Chávez é tema para outro dia, e caminharia por considerações sobre o que é socialismo, o que o difere de modelos autoritários que lhe tomaram o nome como escudo. Chávez também é um personagem extremamente complexo. Muito mais que seu antigo algoz, George Bush. Chávez no momento está angustiado, creio eu. Obama não personifica o inimigo necessário par seu projeto de salvacionismo messiânico.  Mas isso tudo eu abordarei em outro momento.

O Brasil deve ser encardo como o país desta década que se inicia. Com dois eventos de impacto internacional programados para a metade da década, uma posição alavancada pelo desempenho de Lula nos seus oito anos de governo, sua inédita acensão durante uma crise mundial, os prognósticos que apontam o Brasil entre os cinco países mais ricos do mundo até 2020, e o processo de internacionalização das megaempresas brasileiras, assim como o diferencial que o Brasil tem em quesitos naturais, como energia (petrolífera e biocombustivel) e meio ambiente (água e matas). Dos chamados BRICs (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China), o Brasil é apontado como o mais promissor. Consegue aliar o crescimento econômico (inferior que o Chinês, é claro) com a estabilidade política e democrática, assim como um mercado interno robusto que lhe garante a segurança das contas públicas, uma difícil conjunção de Estado forte e iniciativa privada pujante (principal diferença da Índia e da China), um mercado financeiro e bancário moderno e que demonstrou ser mais seguro e sólido que da maioria dos países ricos e uma indústria e agricultura independentes e autossuficientes.

Cabe a nós, brasileiros, sabermos então deste importante papel que o mundo espera que desempenhemos daqui pra frente, e debruçar-nos para  resolver problemas internos que ainda emperram o pleno desenvolvimento nacional: A corrupção e o sistema político, o sistema tributário, previdenciário e principalmente, uma revisão do sistema judiciário. Ou seja, um amplo debate sobre a atualização das leis penais, civis, eleitorais, etc. Adequá-las ao novo país que vemos surgir.

Cabe a nós fazer do país do futuro o país do presente. De dentro, pra fora.

Um comentário:

  1. A parte do caças franceses é uma súmula perfeita. E o resto do artigo excelente.
    Há braços,
    Yuri Cavour

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