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DUAS DICOTOMIAS: CIDADANIA X IGNORÂNCIA SISTÊMICA E JUSTIÇA PARA UM X GARANTIAS DE EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE.


Certamente, neste meu silêncio de meses, muita coisa rolou e tem rolado na política Nacional. Os debates sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos merecerão em breve algumas linhas, o debate dos aviões para a Força Aérea, enfim, muitos temas palpitam por aí; Mas o que me traz de volta ao blog hoje é a crise instalada na capital federal.
Há muito que se falar sobre a crise do mensalão do DEM, em Brasília, e escrever sobre ela na altura que estamos dos acontecimentos é meio que remoer noticiário, reesquentar  manchetes, mas não poderia deixar de falar sobre algumas nuances que pouco tem sido abordadas.
Arruda, no momento que escrevo, está preso na Polícia Federal, e o vice-governador, até então em exercício no lugar de Arruda (obviamente afastado do exercício da função), acaba de pedir sua renúncia, e seguiu o caminho de Arruda em desfiliar-se do DEM (Democratas, antigo PFL). Em sua carta de renúncia, Paulo Octávio diz que sai da “vida política” para retomar a “cidadania”. O que isso nos faz refletir? Que na mente destes políticos - e aí eu digo quase todos mesmo, pois isso não é desvio de caráter puramente, é cultura nacional – a vida política é uma outra forma de vida, um tipo de opção profissional, que dispensa os preceitos básicos de cidadania: respeito às leis, submissão ao desejo público e distinção entre o público e o privado.
“Cidadania” no dicionário destes é aquela coisa chata que só estão submetidos os reles mortais não-eleitos. Cidadania é também  um adjetivo qualificativo das obras que eles fazem (desviando muito dinheiro, claro), independentemente se a obra produza mais segregação do que benesses. Cidadania pode ser também substantivo vago para qualquer resultado que se produza a partir destas superfaturadas obras. Enfim, cidadania é sempre um jogo de palavras que nunca se aplica àquele mandatário que as profere.
Aliás, é a falta desta participação cidadã, desta prática da cidadania, que nos leva a estas situações ridículas na política nacional Vejam o caso mesmo de Brasília:
José Roberto Arruda já foi senador, e em 2001 foi apontado, e comprovado, como um dos responsáveis da fraude no painel eletrônico do Senado. Arruda, na época, se disse inocente e perseguido, alvo de mentiras e de um sórdido complô difamatório. Pouco tempo em seguida, acuado e desmascarado, fugiu pela porta dos fundos das brechas constitucionais, renunciou ao cargo e saiu ileso. Foi dito na época que ele não sairia ileso, entretanto, da maior pena: o julgamento do povo, o limbo político. Ledo engano.
Arruda voltou, lançou-se candidato a Governador e foi eleito. Rostinho bonito na TV, milhões (desviados do povo) investidos em marketing, apoio escuso de outros políticos corruptos, quem sabe até o silêncio criminoso da mídia “imparcial”, que assim como o povo e todas as instituições que deveriam  zelar pela democracia, esqueceram o passado recente dele no senado.
Agora, o circo está novamente montado: Denúncias, provas, vídeos, tudo que a racionalidade nos leva a imputar como irrefutáveis as certezas que Arruda mais uma vez  está envolvido em alta corrupção. Mas ele, mais uma vez, nega e diz que na verdade foi ele quem desmascarou outro esquema de corrupção, e que por isso, está sendo perseguido e acusado de mentiras infundadas! E pior, há quem acredite!
É assim que conduzimos nossa vida política: amaldiçoamos todos os políticos, dizemos que a responsabilidade de todos os problemas públicos é do governo, não nosso, temos um pessimismo  e uma resignação irritante ao reconhecermos que somos reféns das decisões políticas e que não sabemos ou não queremos influir nelas... E é por isso, talvez, que quando chegamos numa eleição, vemos os mesmos corruptos serem eleitos. Os eleitores de Arruda são na maioria deles pessoas que amaldiçoam os corruptos, que dizem odiar política, mas que no fim, por sua ignorância sistêmica, elegem eles mesmos os políticos que dias depois voltarão a amaldiçoar.
Mas outros fatores chamam atenção neste caso do planalto central: O primeiro deles é que vemos uma luz no fim do túnel da justiça brasileira, ao passo que pela primeira vez um político de alto escalão foi preso, literalmente, por denúncia de corrupção, e podemos dizer que foi preso no “tempo justo”.
O que eu digo com tempo justo? Tempo justo nada mais é que puramente a Justiça sendo aplicada em sua plenitude. De que adianta uma justiça que leva anos, décadas, para enfim aplicar uma pena, que pelo decorrer do tempo, ou caducou ou não mais produziu efeito? A que serve a justiça? À mera penalização do criminoso ou ao ressarcimento do ofendido, a proteção da sociedade e a reeducação do infrator? A Justiça só é efetiva quando reeduca, quando corrige, quando garante a isonomia dos cidadãos, quando ressarce os oprimidos e quando entrega a fatura ao infrator antes deste lucrar em cima dos seus atos ilícitos.
De que adianta um político corrupto ser condenado (E quem era que pelo menos isso fosse) anos após o desvio do dinheiro público? Ele teve tempo de reenvestir o fruto do roubo, teve tempo de traficar influencia, de calar testemunhas através de seu poder, de distribuir seu poder para herdeiros de sua corrupção.
Neste caso, Arruda foi preso. Não pelos crimes dos quais é acusado, mas por ter tentado impedir a investigação. De quem é a culpa? Da legislação permissiva e tendente à corrupção que possuímos. E quem poderia mudá-la, na maioria das vezes não o faz porque se beneficia dele. E nós, nós não estamos nem aí! Odiamos política, e os políticos. Odiamos a corrupção a qual de dois em dois anos nós subscrevemos pacificamente.
O outro fator é a inversão de valores que permeia os dispositivos legais e o rito processual da nossa justiça. O habbeas corpus de Arruda será avaliado possivelmente esta semana, já o pedido de intervenção em Brasília e o pedido de impeachment de Arruda e dos deputados não tem prazo para serem apreciados. Entram no fim da fila. É a soberania do interesse pessoal sobre o interesse social. Aliás, é a soberania do prestígio pessoal, do “você sabe com quem ta falando?” sobre a perenidade Republicana. Mais vale o direito da liberdade até que se prove a culpa de um cidadão do que as garantias constitucionais de respeito a todos os direitos inalienáveis de todos os cidadãos do Distrito Federal.
E eu acrescento: Um cidadão que se dispõe a exercer um cargo público antes de tudo abdica de seu direito de silêncio, de sigilo. Creio eu que por ser investido de uma incumbência tão grande, deveria perder o beneficio da dúvida, os sigilos que só existem para proteger um hipossuficiênte cidadão comum.
Ou seja, concluímos com três perguntas: 
A justiça é ‘justa’ mesmo quando tarda, tarda, e por vezes, falha?
A Justiça existe para proteger um ou para garantir a sobrevivência e as condições de coexistência de todos? 
E nós, preferimos a cidadania ou a ignorância sistêmica?

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