Muito além das manchetes.
Depois de uma série de textos nos quais exprimi minha inquietação com a justiça brasileira e com o maior veículo de comunicação, proponho agora uma reflexão sobre um caso emblemático: O caso Garotinho.
Antes de tudo, há que se dizer que o texto é elucidativo das práticas e manipulações que conspiram contra a justiça e contra a sociedade, e não um desagravo a este ou aquele, sequer ao ex-governador Garotinho. É, antes de tudo, um exercício de comprovação daquilo que sempre venho escrevendo aqui: a decadência de nosso ordenamento jurídico e a perigosa tendenciosidade de parte da mídia.
Começo com esta frase, dita por Joaquim Falcão, ex-presidente da Fundação Roberto Marinho:
“Imprensa não é justiça. Essa relação é um remendo. Um desvio institucional. Jornal não é fórum. Repórter não é juiz. Nem editor é desembargador. E quando, por acaso, acreditam ser transformam a dignidade da informação, na arrogância da autoridade que não têm.
Não raramente, hoje, alguns jornais ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam o réu, sem defesa na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar. Na ânsia da denúncia que vende e dá prestígio, são imprudentes.”
Não raramente, hoje, alguns jornais ao divulgarem a denúncia alheia, acusam sem apurar. Processam sem ouvir. Colocam o réu, sem defesa na prisão da opinião pública. Enfim, condenam sem julgar. Na ânsia da denúncia que vende e dá prestígio, são imprudentes.”
Não é de agora, adotou-se o costume de amparados na liberdade de imprensa, acusar pra ver em que bicho que dá. Assim como apenas uma pessoa muito inocente ou mal intencionada acredita que grandes organizações de imprensa não tenham seus interesses político. Desta forma, criam-se acusações, joga-se para a opinião pública, e depois, ao se comprovar a inexistência dos ilícitos, vem publicar que a Justiça Brasileira não presta.
Eu acrescento ainda o fato de nos últimos anos o Globo ter criado uma linha editorial anti-democrática, no sentido de que busca, a qualquer pretexto, insuflar o pensamento dos seus eleitores contra a eficácia do modelo de representação democrática. Quantos não foram os textos, manchetes, cadernos especiais que buscaram demonstrar como todos os políticos são corruptos, de como o Congresso, o presidente, e tudo que é “público” é falho por natureza, é inoperante, é corrupto por vocação precípua. Em paralelo, dão destaque às notícias de reabertura de processos contra torturadores da ditadura, chamando de violência jurídica contra a anistia, e fazendo o leitor a imputar como fanáticos terroristas de esquerda locupletados no governo Lula aqueles que tentam expor o terrorismo que esta empresa ajudou institucionalmente os militares a perpetrarem.
Tentam desta forma criar um ambiente despolitizado, superficialmente hostil e descrente da democracia, assim como fizerem próximo de 1964. E isso não sou só eu que percebo.
Mas voltemos ao tema. Como dizia, pior que uma justiça falha e uma mídia tendenciosa, é uma mídia tendenciosa engajada na manipulação da justiça e uma justiça refém de uma parceria espúria com interesses jornalístico-políticos.
A novela Garotinho demonstra isso claramente. Não que ele seja a personificação do messias político, é sujeito a falhas e deslizes éticos e políticos, e jamais eu iria afirmar que ele jamais cometeu qualquer ilícito, mas como vivemos num Estado de Direito, e ninguém é culpado até prova final, Garotinho demonstra até hoje ser sim uma vítima de uma aliança mídia-judiciário no intuito de manipular a política. Mais uma vez afirmo: Não estou aqui pra debater o governo dele ou de sua esposa, e sim o tema que me interessa neste imbróglio. Isto é muito importante ser percebido, pra que não caiamos num bairrismo partidário ou numa baixeza de “gosto dele” ou “desgosto dele”.
Desde 2006, a Globo vem encampando uma dedicada guerra ao casal de ex-governadores. Naquele ano, Garotinho era pré-candidato a Presidência pelo PMDB. A Globo então publicou em diversas manchetes, inserções monumentais no Jornal Nacional e todos os jornais televisivos que tinha, uma denúncia do Ministério Público contra o casal Garotinho. As manchetes anunciavam, com exclusividade, uma denúncia do MP contra Garotinho. Entretanto, até hoje, quatro anos depois, esta denúncia não existe. Nunca foi feita.
A denúncia contra Rosinha seria sobre superfaturamento de um terreno de R$ 7 Milhões para 41 milhões, baseados no testemunho do senhor Wilson, morador da região. Entretanto, senhor Wilson não é corretor, técnico em avaliação imobiliária e sequer foi encontrado algum dia depois desta citação. Baseados neste testemunho “científico”, os promotores questionaram o parecer da Controladoria Geral do Estado e de engenheiros contratados.
Também nesta época, a Revista Veja publicou capa em que mostrava garotinho com chifres, rabo e tridente, chamando-o de diabo. Por essa e por outras, Garotinho recebeu indenizações altíssimas da Globo e direito de resposta nos próprios veículos que o acusaram.
Agora, quatro anos passados,e com Garotinho de novo pré-candidato,OS MESMOS promotores entram com as mesmas denúncias, apenas com outros dados e a Globo novamente dedica várias paginas e inúmeros minutos de TV para noticiar..
A acusação de agora é a mesma que foi EXTINTA anteriormente e que valeu à esses promotores representação no Conselho Nacional do Ministério Público por manipulação de informações e tentativa de induzir a justiça ao erro ocultando documentos relacionados ao caso.
A acusação é esta: A Governadora Rosinha decretou que os órgãos estaduais contratassem a FESP para realizar serviços e contratos. Esta, por sua vez, subcontratava ONGs para realizar os serviços (algo parecido com as OCIPAS) e estas repassavam o dinheiro a empresas que enfim realizavam as obras (ou não). Estas empresas por fim faziam contribuições ao PMDB/RJ que assim passava estes valores à pré-candidatura de Garotinho. Ou seja, acusam Rosinha de desviar o dinheiro público para a campanha de Garotinho. Parece simples, né.
Entretanto, existe alguns problemas. Foi omitido um documento, assinado pelo próprio Garotinho, que proibia a FESP de subcontratar ONGS. O documento foi assinado por Garotinho expressando ordem da Governadora Rosinha e endereçado ao presidente da FESP. Só por isso, já desmontaria a corrente que o MP criou ligando a Governadora à campanha de seu marido.
Mas vem mais. O MP também parece ter omitido que quem recebeu o dinheiro das empresas foram: Carlos Alberto Muniz, na época secretário-geral do PMDB e integrante da Comissão Especial de Arrecadação, e hoje vice-prefeito do Rio de Janeiro, ligado a Eduardo Paes, e Eduardo Damian, advogado do PMDB, também integrante da comissão e hoje, chefe de gabinete do secretário de Governo do Estado, Wilson Carlos, homem de confiança de Sérgio Cabral. Estes dois, apesar de terem recebido o dinheiro e serem os únicos que documentalmente constam como receptores do dinheiro não foram arrolados como réus pelos promotores. Estranho não?
E por fim, a última e maior omissão: Garotinho foi informado da origem dos recursos e mandou, à época, que fossem devolvidos às empresas, o que de fato ocorreu através de cheques assinados pelos mesmos dois senhores que citei no parágrafo anterior. Estes, que os promotores estranhamente não viram.
Na denúncia que os promotores fizeram não constam nenhum destes fatos. Os documentos estavam de posse deles. Mas optaram não incluí-los. É a velha prática de ajustar os fatos à teoria, e não o contrário. E até onde sei e nossas leis afirmam, isso é crime.
Concluímos assim que não passam, portanto, de denúncias reesquentadas e já julgadas improcedentes, de um mesmo grupo de promotores e apoiados pela mesma imprensa marrom. É a tabelinha espúria a que me referi, e que se torna tão ou mais acintosa contra a liberdade de informação do que aquilo que denunciam ocorrer em Cuba e na Venezuela.
Assim como no caso de Garotinho, podemos encontrar outros no qual a mídia peca não pela ação, mas pela omissão proposital. Esta aliança funesta que parte da mídia sempre manteve com setores políticos anti-populares e anti-democráticos remontam de muito tempo atrás e são percebidos até hoje.
Eu mesmo fui crítico do governo Rosinha, e enquanto liderança do Movimento Estudantil da época pela FAETEC, inúmeras foram as vezes que me vi pasmo com ações e omissões dele. E digo mais, votei em Sérgio Cabral iludido e desencantado com os demais candidatos. Mas me pasma ver agora que ao contrário daquela época, os escândalos simplesmente não são noticiados, são abafados. Até a violência se tornou menos noticiável e menos culpa do governo do que na época.
Lembro-me bem de um ônibus incendiado que quase pôs abaixo o governo Garotinho, acusado de ser o pior em combate ao crime no país, com estatísticas que cansei de debater no orkut na época. Hoje, os ônibus são queimados com pessoas dentro e o Globo noticia dizendo que isso é apenas retaliação ao bom trabalho das UPPs. Meu Deus!
Escândalos de enriquecimento suspeito e de propriedades incompatíveis do atual governador são totalmente abafados. Será que por serem óbvios demais, o Globo acha que não deve se rebaixar em investigar e publicizar os fatos? Eu não lembro de outro governo que tenha chamado as mulheres da favela de fábricas de marginais, ou que tenha prometido passar um “inseticida humano” nas comunidades carentes.
Talvez seja esta postura preconceituosa e elitista do Governo Estadual, somada a atitude policialesca do prefeito Eduardo Paes, que faça a mídia conservadora se empenhar tão fervorosamente em maquiar os dados. E vejam só, apenas em ano eleitoral.
Enfim, o texto está se alongando, e pretendo continuá-lo numa segunda parte em breve, até porque me alonguei muito no exemplo Garotinho. Mas repito, este é um exemplo inequívoco do “modus operands” desta mídia nacional que se diz baluarte de democracia, que critica os direitos humanos do país mais igualitário das Américas e tem em seu passado, a marca da empenhada campanha pró-ditadura que travou.
Continua, em breve.
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