HONDURAS. O teste de fogo para o protagonismo internacional do Brasil.

Vou começar já pelo ápice da história, permitindo-me pular o debate sobre o que levou a chegar a tal situação. O que há é que um governo golpista, ditatorial e militar tomou de assalto Honduras, persegue, discrimina e aterroriza a população e qualquer um quer se oponha ao golpe.

Neste contexto, o presidente deposto viajou o mundo, recebeu o apoio de Obama a Chávez, e no Brasil foi recebido até pelo presidente do senado, José Sarney, em plena crise do senado. E as notícias que pareciam estar numa mesmice distante, de que Zelaya, o presidente de direito, atravessava a fronteira por alguns minutos, e levava consiga, pra cima e pra baixo, milhares de apoiadores, tiveram uma reviravolta inesperada, com o fato de que Zelaya apareceu na capital Hondurenha, dentro da embaixada do Brasil.

Em seguida à notícia, muita especulação: teria o Brasil planejado e levado Zelaya até a embaixada? Saberia o Brasil desta empreitada? Seria isto uma intromissão do Brasil nos assuntos internos de Honduras, ou apenas uma atitude soberana e democrática de abrigar um perseguido político?

Seja o que for, Zelaya está em solo brasileiro... em Honduras. Dentro da embaixada brasileira, Zelaya está politicamente seguro, mas não de fato. A princípio, nada, além das máximas das relações internacionais impedem o exército golpista hondurenho de invadir a embaixada e prender (e fazer sabe-se lá o que com) Zelaya. Mas isso seria uma invasão de território brasileiro, uma declaração de guerra. Mas peraí... o fato do Brasil abrigar um perseguido político do atual governo de Honduras, EM Honduras, também não é uma invasão? Não exatamente.



Se o Brasil realmente não planejou levar Zelaya até lá, e apenas exerceu seu direito de recebê-lo na embaixada, não há problema diplomático algum. Repito que a embaixada brasileira é solo brasileiro, propriedade e soberania do povo brasileiro, mesmo que em Honduras. Ali dentro valem as leis brasileiras, as autoridades e decisões do Brasil. Mas da calçada pra fora é Honduras, pra todos os lados, como uma ilha sem comunicação. E esta é a aposta do governo golpista. Cercar, cortar suprimento e se possível comunicação para forçar que saiam da embaixada e entrem em solo Hondurenho, para aí poderem prender a todos.

Mas não seria esse cerco também uma invasão?

Sim, pois a presença ostensiva de homens armados continuamente, o corte de alimentos, água e energia, e agora até a tentativa de intoxicação por gases são um atentado à vida dos brasileiros, dentro de território nacional brasileiro. Esta última tática, a de lançar gases tóxicos, é além de tudo invasão territorial também. Usam da mesma arma que o exército nazista de Hittler recorria para torturar e matar judeus e negros. Um tipo de composto químico que provoca sangramento na urina, na saliva, e corrosões internas no organismo. Uma arma químico-biológica desumana e bárbara.



O Brasil fica, a partir de agora numa posição delicadíssima. Há brasileiros em perigo de morte, dentro de um edifício público brasileiro, sofrendo terrorismo de um governo sem reconhecimento internacional. Não houve, da ONU, um posicionamento firme como se esperava, num posicionamento anacrônico com o que toma quando o protagonista são os Estados Unidos. A OEA não tem praxe de interferir com resolução nestes casos. E se morrer um brasileiro lá? Que será feito? Mesmo que quem morra seja um partidário de Zelaya, será um assassinato em jurisdição brasileira.

E Lula, como se posicionará? Até uma semana atrás, posicionava-se claramente sobre o tema, e agora, dá declarações evasivas, cobrando apenas que o cerco seja desfeito, e que se preserve a integridade da embaixada, quando esta já está sofrendo ataque ostensivo.

Está na hora do Brasil, mesmo que pró-forma, emita um aviso oficial ao exército hondurenho, de que desobstrua a entrada da embaixada, garanta o abastecimento de água e comida e o fornecimento de energia, e mediante ao ataque químico, dê explicações do que aconteceu, afastando-se do redor da embaixada. Deve ser um aviso direto, enfático, firme. Não será nada precipitado falar em possibilidade de uso de força, seja ela nacional ou internacional, para garantir a segurança da embaixada e dos brasileiros dentro dela.

Mas eu quero tratar de um outro viés aqui. O viés ideológico, principalmente para os meus amigos do PSTU, Chavistas, Morenistas, etc. Toda a galera da esquerda 360 graus (entenda como quiser). Muitos já estão bradando há tempos contra a “invasão do Haiti”, o ensaio de imperialismo brasileiro, o que dizem ser uma imitação das invasões norteamericanas ao Iraque, Afeganistão, etc. Neste episódio hondurenho já há quem diga que o Brasil invadiu a soberania de Honduras, que está aplicando um golpe branco. Vamos com calma dissecar as diferenças.

Nos casos do Iraque e Afeganistão, tanto as motivações, como os métodos e princípios são diferentes deste caso. As invasões dos países do oriente médio são fruto de retaliação e proselitismo ideológico, num caso em resposta militar a um grupo político militar que comandava a nação, com o intuito de perseguir, matar e destruir os integrantes da Al-Qaeda, e sua estrutura organizacional, que era também a do país; noutra, a decisão de invadir um país, derrubar um governo politicamente hostil, implantar à força uma filosofia de organização política e social estranha à cultura nativa e dominar belicamente a população, suprimindo suas liberdades coletivas e individuais.

Nos dois casos americanos, fica claro o desrespeito às leis internacionais, à cultura e direitos soberanos das nações e povos invadidos, com intuitos hora revanchistas, violentos e sanguinários, hora com imposição de filosofia política, cultural, religiosa e social, desrespeitando a soberania étnica e cultural do povo dominado.

Já no caso de Honduras, não houve qualquer deliberação de invadir a liberdade política e social dos hondurenhos da parte do Brasil, e sequer uma invasão territorial de fato. Não há ingerência política tampouco, já que é prerrogativa de qualquer país se posicionar sobre temas internacionais, e de acolher qualquer um em sua embaixada.

O Brasil não está tentando resolver no lugar dos hondurenhos, não está tentando impor uma decisão política, um pensamento social, um recorte cultural exterior, está exercendo a principio o seu direito de opinar e se posicionar sobre tema de relevância. Em última análise, posicionou-se pela institucionalidade, pela defesa tanto dos princípios do direito internacional, e da própria liberdade e integridade política hondurenha, não impondo nada estranho à Constituição hondurenha.

Trocando em miúdos, o Brasil no máximo está se aventurando a defender o povo de Honduras de um ataque à sua liberdade, à sua soberania, um ataque interno, um golpe militar, algo que nós brasileiros bem sabemos o que é, e penamos por ter sido o nosso golpe apoiado por outros países, ao invés de combatidos.

Portanto, nada dos abstêmios de Coca-Cola e cabideiros de camisas do Guevarão, os comunistas fashions, os esquerdistas modinha, compararem alhos com bugalhos. Invasão da autonomia nacional, imposição étnico-religiosa-política-cultural é uma coisa, posicionamento político estratégico em um assunto internacional é outra. Defesa do povo contra um golpe interno é totalmente diferente da deflagração de um golpe externo.

E repito, é dever do governo brasileiro defender sua embaixada e seus cidadãos, e todos aqueles que estiverem em sua embaixada, em seu território. O ataque, o cerco, a hostilidade à embaixada brasileira é um crime internacional, cabível de análise nos organismos internacionais em caráter de urgência, e legitimadoras do uso de força por parte do Brasil. O ataque tóxico de hoje, após a reunião do Conselho de Segurança da ONU, quando este já exigia o fim do cerco, é ensejo para a convocação imediata do Conselho da OEA, e a elaboração sem demora de um plano de ação, política, diplomática e até militar.

Já sofremos afrontas de bolivianos e venezuelanos, no que tange aos interesses nacionais energéticos, financeiros e patrimoniais, e agora, um ataque real à representação política do Brasil. Num momento em que o Brasil se coloca como nova liderança mundial, no tocante a habilidade de negociação e diálogo, na defesa social e na representação daqueles que sempre estiveram à margem dos direitos humanos, não se pode vacilar, nem pra inoperância, nem pra truculência desproporcional.

Nem guerra nem vergonha. A saída deve ser negociada. O Brasil deve ousar se impor, sem transparecer que quer massacrar Honduras com uma guerra. O Brasil deve dar mostras de como resolver um problema delicado de forma civilizada, cosmopolita, global, respeitosa. Dar exemplo aos velhos donos do mundo como abdicar da força em prol da tolerância e da inteligência, sem se entregar.

“Hay de Endurecer, Pero sin perder la ternura”, diria Che;

“Parecer fraco quando se é forte, e longe quando se está perto”... ”vencer o inimigo pela rendição, quando se é mais forte”, já diria Sun Tzu.



Samuel Braun

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