Milícias no Rio viram caso para a Anistia Internacional. - Uma análise sobre as milícias

Extrapolou os limites do Estado, e os limites do país. As autoridades estão paralisadas e imobilizadas. Por força ou por vontade. E um organismo internacional teve que intervir pra salvar a vida do Deputado Estadual Marcelo Freixo.

A Anistia Internacional ofereceu asilo ao deputado e sua família em outro continente, a par protegê-los de morte mais que iminente. O deputado não confirma país nem duração da "fuga", apenas que se dará na europa e que não durará muito, e servirá para dar-lhe um pouco de paz e segurança, algo que não tem há anos, desde que iniciou sua luta, quase que solitária e mais que heróica, contra as milícias no Rio, e para chamar a atenção para a complacência e quase  conivência das autoridades do Rio com este tipo de crime que domina o Estado.
Freixo sofreu nada menos que 5 ameaças de morte ´nos últimos 10 dias, num total de 7 desde a morte da Juíza Patrícia Accioli. Desde esta data ele vem pedido reforço na sua segurança, e assim como no caso da falecida juíza, o secretário de segurança não move uma palha e não lhe atende. Espera que ele morra, provavelmente. Mais conveniente politicamente não? Afinal, não costumamos recordar dos mártires, e nada que alguns milhões de propaganda eleitoral e uma extensa aliança fisiológica não nos faça esquecer e enxergar um Rio florido e pacificado.
O tema é tão profundo e aterrador, que políticos de todas as matizes ideológicas estão se posicionando ao seu lado, mesmo que venham a concorrer ano que vem contra ele na disputa pela prefeitura da capital da milícia. Anthony Garotinho, Wagner Montes, Chico Alencar, Aspásia camargo, paulo Ramos, são alguns exemplos destes que já denunciam a situação há algum tempo e hoje pela manhã reverberavam esta notícia. Waldyr Damous, presidente da OAB-RJ é outro que tem cobrado alguma ação do governo do estado, do secretário de segurança, o popstar José Mariano Beltrame, e do próprio governador, Sérgio Cabral, de paradeiro quase sempre desconhecido.
Há uma inversão de valores que tem se agravado por anos, e mesmo novo tenho sido testemunha disto. Quando pequeno, e isso não tem mais que duas décadas, os criminosos tinham medo de atacar um policial, e quando o faziam, eram mortos ou capturados em poucos dias, numa mobilização cinematográfica da polícia. Com o tempo, foi se naturalizando os ataques aos policiais, e hoje estamos acostumados a ver 2 a 3 mortes de PMs e Policiais Civis por semana, sem que o governo ou a polícia faça qualquer coisa além de "lamentar" a perda de mais uma vida. E agora, um novo e assustador estágio tem se desenhado, que é o ataque direto aos mais altos escalões de nossos poderes. Não mais a quem prende e anda armado para reprimir o crime, mas a quem julga e decide. A Juíza foi morta, denúncias de que sua morte proveio de dentro de presídio, um comandante de batalhão foi preso, juntamente com outros policiais acusados de terem operado o assassinato, o chefe de polícia civil pediu o boné e saiu de fininho e NADA MUDOU, NADA FOI FEITO!
O deputado Freixo denuncia que quando ele encerrou o relatório da CPI das milícias, havia cerca de 170 delas no Rio, e hoje são mais de 300, e se considerarmos que nos governos "Garotistas" elas praticamente não existiam, chegando a cerca de uma dezena, sem poder político e ainda baseadas num bairrismo bem restrito, podemos dizer que este governo está miliciando o Rio, não pacificando. O governo Sérgio Cabral, de 2007´pra cá, entregou as instâncias oficiais e não-oficiais de poder aos representantes das milícias. Aos Gerominhos, Brazões e tantos mais que são seus aliados de primeira hora.

Não quero aqui travar o debate da ineficiência do combate ao tráfico, nem da hipocrisia que é esta cruzada milionária e assassina pra conter um ramo de negócios, que, como tantos outros legalizados, é ruin pra sociedade e para o indivíduo, mas que nem por isso respalda um empenho de todas as políticas públicas, das mentes e das vontades populares para reprimi-las. Mas é contudo necessário destacar que foi essa idéia, plantada nas mentes e corações durante décadas a fio, de que o tráfico é um mal maior, acima de todos os outros, diferenciando traficante de bandido, como se ambos não fossem igualmente criminosos, sem hierarquia entre si, foi esta necessidade criada artificialmente de primeiro e acima de tudo reprimir o tráfico de drogas pela tática da guerra civil, da repressão através de um aparato militar, com armas cada vez mais pesadas e aclamadas pela população, como se estivéssemos num país em convulsão social ou guerra contra uma nação inimiga. Nos acostumamos, como em Serra Leoa ou como nos países escandinavos na época de suas independências, a ver carros explodindo, ônibus pegando fogo, pessoas armados vigiando territórios e naturalizando o fato de podermos nos ver repentinamente num tiroteio entre duas trincheiras, tudo em nome de um "bem maior" que é a luta pelo fim da venda de maconha, cocaína, heroína e mais recentemente, mesclado, crack e seus derivados.
Foi este consciente coletivo, esta idéia universalisada de que apesar de todo o horror que nos submetemos, estamos tendo a recompensa moral de combater o mal maior que é o tráfico, que legitimou e lançou raízes fortes ao surgimento das milícias. Legítimas em excencia, pois diziam ser a reunião dos moradores de uma localidade para se defenderem daquilo que as forças públicas não conseguiam dar conta. Navegando em outro senso comum, o de que as instituições do Estado não funcionam, de que tribunais, polícias, governos e tudo mais não funcionam e são meramente meios de nos sorver inutilmente dinheiro, os milicianos se colocavam como heróis, messias salvadores, justiceiros de causa nobre: "Vamos acabar com o mal maior, custe o que e quem custar!". O tráfico tinha que ser vencido, pela guerra, pela força, e pelo fornecedor, não pelo usuário. Ignore-se portanto a máxima capitalista de que onde há demanda haverá sempre oferta.
O próprio prefeito Eduardo Paes defendeu as milícias em 2007 e 2008, em sua campanha eleitoral, como um meio de organização local. O governador Sérgio Cabral chamou de "mal menor" e confraternizou-se com seus líderes inúmeras ocasiões.
O filme Tropa de Elite, especialmente o segundo, lança luzes esclarecedoras sobre esta década. Só não vê quem não quer ou cegou-se de ignorância. A política do Rio hoje não se dá mais em comícios, salas de partidos ou  em passeatas. Estas continuam existindo como uma empresa de fachada esconde a fonte real de lucro ilícito. Ela se dá nos gabinetes palacianos e em churrascos bem regados dos milicianos, que negociam os votos de "sua região". Imagino um mapa do rio com tachinas coloridas fincadas com um papelzinho indicando o número de votos. O cálculo é ganhar cada vez mais tachinhas ou criar mais delas em novos locais. Porque entregar a região pro tráfico novamente, ou pior, porque se desgastar pra governar o lugar com a presença do Estado?

Neste cenário alguns atores tomam coragem de levantar a voz contra o ciclo vicioso e centrífugo. Sim, pois além de ser um ciclo vicioso, que se auto-alimenta, ele se expande. Muitos são os que conseguem fazer esta leitura do cenário, e assim como eu não encontram meios de obstar o desenvolvimento caótico desta tragédia social, mas alguns, poucos, que detém meios efetivos de ação concreta resolvem expôr suas vidas e lutar bravamente contra tudo isto. São os nossos "Capitães Nascimento". Patrícia era uma destas. Freixo é, quem sabe, o maior deles.
E são contra estes que as milícias sabem que tem que apontar suas armas.Ou ninguém se pergunta porque elas não incomodam o governador? Porque o secretário de segurança, o homem da pacificação, o dilacerador de traficantes, o herói da nova era de crescimento e união, conforme é "vendida" a imagem dele, não sofre ameaças da milícias? Porque não se cria as milagrosas UPPs em áreas de milícia? E onde ocasionalmente ela entrou em local dominado pelas milícias, mais por conta de uma pressão social devido ao atentado sofrido por repórteres do jornal O Dia, foi instalada no local uma milícia estatal, onde um "coroné", cujo nome prefiro não citar, à frente da UPP, domina a associação de moradores, a distribuição de gás, a movimentação de pessoas e vans, e as atividades de pirateação de comunicações. Este "coroné" é. não por acaso, filiado e militante de partido da base do governo. Homem mais da política do que das armas.

Por isso, não tenho dúvida em dizer, sem tergiversar como são obrigados a maioria dos jornais, e como preferem os maiores deles: O Governo do Estado do Rio não quer combater as milícias nem proteger quem as combate. Quer mais que estes morram e não lhes incomodem.

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