Gilmar Mendes
Selecionei abaixo, um texto muito bom, que traduz criticamente uma personalidade que já questionei aqui no meu blog. Deem (agora sem o ^ porque 2009 já está entrando e a gramática mudou) uma conferida
Cruzei uma vez na vida com o atual presidente do Supremo. Foi numa
pequena sala onde ficaram reunidos alguns convidados para a cerimônia
de inauguração da nova redação da TV Câmara, no final de 2006. Um
funcionário solicito serviu-nos água e café e, gentil, dirigiu-se ao
magistrado chamando-o de Gilmar Machado. Pra quê. O homem fechou a
cara e entre dentes soltou o sobrenome: Mendes. Amarelo, o funcionário
desculpou-se por confundir com o nome de um deputado federal, por
sinal do PT de Minas.
Fiquei na minha. Sem papo. O café foi servido e nos chamaram para o
evento. Tudo muito rápido, mas a cena fixou-se na memória, reveladora
do contato, ainda que breve, com uma personalidade de difícil trato,
ciosa do seu poder. E na época ele era apenas um dos juízes da Corte.
Imagina se o caso se desse hoje. Não sei o que seria do pobre
funcionário público.
Ao vê-lo, de passagem, num Roda Viva semana passada lembrei da cena.
Lá estava a mesma insensibilidade vista na Câmara. Ao responder a uma
pergunta da jornalista Eliane Cantânhede revelou-se por inteiro. Ela
queria ouvir uma opinião sobre os seguintes fatos: um rapaz rouba a
correntinha de um senhor (no caso o próprio ministro) e uma jovem
picha uma sala vazia da Bienal de São Paulo. Ambos são presos e ficam
na cadeia, enquanto um banqueiro com larga folha corrida se livra das
grades, por duas vezes, graças a ação direta do entrevistado. A
resposta foi no mesmo tom usado com o funcionário da Câmara dois anos
antes, de absoluto desdém.
O presidente do Supremo limitou-se a fugir - com escassas e confusas
palavras - da questão ética presente na pergunta. Infelizmente a
jornalista afrouxou, engoliu a resposta atravessada, não usou a
possibilidade da tréplica e a roda girou. Ao ver quem eram alguns dos
entrevistadores percebi que daquele mato não sairia coelho. Ganhei
mais ao desligar a TV. E para evitar pesadelos reli, antes de fechar
os olhos, algumas páginas do Guimarães Rosa.
Antes, na mesma noite, passei pela Bandeirantes e vi as cenas
iniciais do humorístico CQC. Modelo trazido da Argentina, tenta ser
uma versão menos trash de programas tipo Pânico na TV. Suas vítimas,
em grande maioria, são parlamentares. Presas fáceis, surpreendidas nos
corredores do Congresso, vêem-se diante de perguntas quase sempre
embaraçosas. Há situações hilariantes. Como as do "consultor de
imagem" que convence alguns políticos a dar uma entrevista com poses e
frases por ele ditadas. É o ridículo em estado puro.
Não haveria dano maior se cenas como essas se esgotassem nelas
mesmas e nos seus personagens. E seriam até positivas, na medida em
que revelariam para os eleitores a verdadeira face dos seus
representantes. O problema é que uma democracia como a nossa,
historicamente frágil, requer alguns cuidados. Ao explorar a vaidade e
o oportunismo de alguns parlamentares o programa corre o risco de
levar o telespectador a uma generalização indevida do tipo "todo
político não presta". E quem apanha não é apenas o poder Legislativo,
mas o próprio processo democrático. É difícil fazer graça com a
virtude, mas para o bem do país seria bom mostrar que nem todos são
iguais. Ajudando até o eleitor a escolher melhor.
Mas se o objetivo do programa é mesmo revelar a face oculta do
poder, que tal atravessar a praça e bater nas portas dos outros
poderes. No Executivo, até que de vez em quando isso ocorre. O próprio
Presidente da República já se viu diante dos microfones do CQC. E não
apenas o presidente brasileiro. Quase todos os chefes-de-estado do
continente falaram ao programa, numa da cúpulas regionais realizadas
em Lima, no Perú. Resta o Judiciário.
A coragem revelada pelos excelentes atores-repórteres poderia ser
usada também, por exemplo, para inquirir os membros do Supremo. Agora,
com as sessões sendo transmitidas ao vivo pela TV Justiça não
faltariam pautas.
No caso do presidente do STF, a revista Carta Capital trouxe em duas
edições recentes dados suficientes para sustentar muitos programas e
várias perguntas. Por exemplo, poderia ser perguntado se depois de
tanto esforço ele não estaria triste com a derrota do irmão na disputa
pela prefeitura de Diamantino em Mato Grosso, sua cidade natal. Ou
como ele se sente julgando graves questões constitucionais e, ao mesmo
tempo, participando de empresas de ensino em Brasília que, segundo
mostra a revista, contrata alguns de seus pares da Corte para aulas e
palestras. Seria importante para a sociedade saber, nesse caso, o que
o presidente do Supremo considera "conflito de interesses". O CQC bem
que poderia fazer essas perguntas.
E se a coragem for maior indagar ainda se ele se considera parte da
"herança maldita" deixada pelo ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, responsável por sua indicação ao cargo de ministro do
Supremo. Seria uma forma de manter, também no humor, o imprescindível
equilíbrio entre os poderes da República.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP





0 comentários: