DIREITO NO BRASIL...:

CONSTITUIÇÃO FEDERAL

20 ANOS DE EFICÁCIA IMEDIATA PARA A MINORIA X 20 ANOS DE ENROLAÇÃO PERMANENTE PARA A MAIORIA

Os debates sobre os 20 anos da tão sonhada Constituição Cidadã deixam algumas perguntas no ar:

Cidadania pra quem? Democracia pra quem? Direito pra quem?


Promulgação da Constituição Federal de 88: símbolo certo de que superamos um período ditatorial, marcado pela soberania dos atos institucionais, pelo bipartidarismo artificial, pela cassação de mandatos parlamentares etc.
Todavia, a maioria da população brasileira não teve muito o que comemorar, pois vivem sob a égide de normas cinicamente chamadas .programáticas. São os sem teto, os sem terra, os que vivem ainda sob o manto da ditadura da miséria, os sem-escola, os sem-emprego, os sem-transporte. Ou seja, os que mais precisam de uma Constituição republicana que funcione de fato. São pessoas que vivem onde o Estado surge apenas com política de .segurança pública. ou, no máximo, as chamadas .políticas de emergência. (leia-se, neste caso, emergência como qualquer coisa que não seja saúde, educação, moradia, emprego etc). Com 20 anos de Constituição Federal, é certo que a política acabou dando prioridade aos anseios midiáticos, que traduzem apenas um interesse,e que obviamente não é o da maior parte da população. Esta, saqueada ao longo da história, dividida das elites por um abismo que envolve questões econômico-socio-culturais, é obrigada a assistir os .grandes medalhões. das universidades seguirem o que há de pior na política governamental e fabricarem o discurso que divide a Constituição entre as .cláusulas constitucionais de eficácia imediata. (as que garantem a propriedade e os demais direitos das elites) e as de .eficácia contida. ou .programáticas. (as que falam de .coisas bonitas. como moradia, educação, saúde e demais direitos básicos para todos). Aliás, nunca o termo .programático. foi tão entrosadamente empregado pelos conservadores do Direito e pelos conservadores da política. Ou seja: teoria e prática andando juntas, lado a lado, em nome da conservação hipócrita.

Neste contexto, é fundamental salientar as palavras da Professora de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Uerj e militante do MST, Fernanda Vieira, que nada contra a maré
dentro da academia e não se acanha diante do rei para afirmar que ele está nu:

. A noção de Estado Moderno e de democracia se construiu historicamente com a possibilidade de cada vez mais se alçar direitos. Diversos são os movimentos, sejam eles: sindicais, de mulheres, sociais, que no seu processo de constituição tiveram a garantia de direitos, bem como, a pressão para ampliação desses direitos, como fonte legitimadora das suas ações políticas.
Como nos lembra Norberto Bobbio .direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacifica dos conflitos. (BOBBIO, N. A era dos direitos.RJ, Campus, 1992, pág. 1).

Sendo assim, como pensar a questão da democracia e dos direitos sob a égide do Estado Penal? É possível ampliar as garantias dos direitos quando se vivencia um paulatino Processo de redução de direitos?.(texto .Sob o leito de Procusto: Judiciário e a criminalização da miséria..

Afinal, é no mínimo tosco fazer uma análise dos 20 anos da Constituição sem pensar as tensões sociais e a Política que vem sendo implementada. Na prática, seria como pensar o futebol sem levar em consideração os times, os jogos e os campeonatos. Partiríamos de que ponto? Provavelmente alguns acadêmicos de nossa Faculdade pensariam o esporte somente no campo das fórmulas físicas e classificariam o fenômeno do gol como algo ideal, a ser alcançado, uma idéia .programática.. O que seria o futebol para eles? O futebol seria, talvez, um discurso muito pomposo, mas sem nenhuma substância. Assim ocorre nas discussões hegemônicas em nossa Faculdade sobre a Constituição: não se pensa a prática.
O discurso é o da .Constituição Cidadã., que veio trazer o Estado Democrático de Direito. Mas na hora de se pensar políticas públicas para executar a constituição, colocar em prática seus objetivos, nesse momento, não há democracia, de certo; pois alguns ficam com escolas, moradia e saúde (todas privadas), enquanto a maioria...deixa que o exército cuida deles! Isonômico não?!

A isto chamamos de criminalização. Seja de movimentos sociais, que reivindicam em alguns casos terras, trabalho, efetivação de direitos; seja da pobreza, e aí importante retomarmos o texto da Professora e militante Fernanda Vieira:
.Esse fenômeno de criminalização da pobreza marca-se a partir da redução do Estado de Bem-Estar Social e da fragilização do Estado-Nação. O modelo, de gestão do capital, neoliberal vem empurrando massas humanas para a exclusão social: crescem os sem teto, os sem emprego, os sem terra. A resposta para esses setores tem sido, com freqüência, não as políticas sociais,mas sim o braço forte da sua política de segurança
..
Por isso, não é possível desatrelar o debate sobre os 20 anos de nossa Constituição Federal das questões políticas, sociais e econômicas inerentes à (não) implementação do que está escrito na Carta Magna. Para não cair no equívoco de tratar a Lei como ficção científica ou objeto meramente discursivo, é fundamental valorizar doutrinas e formulações que se afastem do academicismo e do conservadorismo típico de quem lucra com a atuação jurídica.

!


A Justiça que temos e a Justiça que queremos:

O ano de 2008 é sem sombra de dúvida um momento importante para comemorarmos a democracia brasileira, elemento chave do Estado de Direito Republicano. Primeiro que neste ano

comemoramos o vigésimo aniversário da Constituição brasileira, Carta Política tida como ponto de partida para a consolidação de uma sociedade justa, fraterna e igualitária.

Neste mesmo ano, comemoramos os 60anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, instrumento jurídico cosmopolita que reordenou as relações internacionais dos Estados em torno ao respeito à dignidade da pessoa humana.
Ainda em 2008, comemoramos os 18 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente,Lei 8.069/90, que, em termos de direitos humanos e democracia,é considerada a maior e mais elaborada resposta que o Estado brasileiro deu para um segmento social na denominada Era dos Direitos dos Direitos nos anos 90.Este trio de valores jurídicos e políticos, Constituição Federal de 1988, a Declaração de Direitos Humanos de 1948 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, nos permitem ter uma idéia da Justiça que queremos e a Justiça que pretendemos ter.

Neste sentido é importante esclarecer que o Direito ao acesso à Justiça não pode ser confundido ou mesmo reduzido, como pretendem alguns, ao acesso ao Poder Judiciário. Isto porque, quando tratamos deste segundo, temos verificado na história republicana a insistente orientação da superestrutura jurídica e política do Estado brasileiro,em conduzir pelas portas dos fundos dos Tribunais de Justiça, algemados, negros, pobres e grupos em situação de vulnerabilidade, num evidente controle social punitivo. Por outro lado, os detentores e representantes dos interesses patrimoniais, quando da necessidade de proteção de seus bens, têm tido acesso privilegiado pela porta da frente dos mesmos Tribunais de Justiça,sob o conforto da certeza da tutela que lhe será prestada cada vez mais por um Estado marcado por profundas cicatrizes da desigualdade social. Este conceito de acesso ao Judiciário deve ser alterado,sob pena de comprometermos os valores que aqui sinalizamos, quais sejam: democracia e direitos humanos. O caminho para a ruptura deste modelo controlador punitivo passa pela necessidade de alçarmos este debate ao patamar de discussão sobre o Direito ao Acesso à Justiça. Este direito, deve contemplar a condição dos cidadãos como pessoas dotadas de direitos fundamentais, pró-ativas no exercício reivindicante de suas dignidades.

Para isso, é preciso cada vez mais garantir o direito à assistência judiciária, através de uma Defensoria Pública fortalecida, que possa verdadeiramente garantir o ingresso dos grupos em situação de vulnerabilidade pela porta principal dos Tribunais de Justiça.

No mesmo norte, esperamos do Ministério Público uma intervenção, além da condição de propulsor judicializante do processo de criminalização da pobreza, conforme se verifica nas pilhas dos milhares de processos judiciais em curso. Como advogado da sociedade, aguardamos ansiosamente do Ministério Público uma atuação pautada no interesse da coletividade, especialmente dos excluídos, como os adolescentes autores de ato infracional, sujeitos de direitos do comemorado Estatuto da Criança e do Adolescente,aqui anunciado. Assim, é preciso reconhecer que a igualdade, enquanto uma garantia humana, proclamada na aniversariante Constituição Republicana, deve ser transformada do campo formal para um patamar substancial, em que, os iguais devam ser tratados igualmente e os desiguais considerados desigualmente. Assim, a Justiça que queremos passa fundamentalmente pela negação ao processo de criminalização da pobreza vigente, além de assegurar no plano da tutela jurisdicional, as medidas compensatórias para os grupos historicamente excluídos, como os negros, os carentes, as mulheres e as crianças. Somente assim será possível comemorarmos os aniversários dos documentos jurídicos aqui anunciados, pois finalmente eles serão considerados ponte de ouro para um verdadeiro acesso à Justiça, uma Justiça Social em que o Tribunal Jurisdicional seja a casa da cidadania de todas e todos.

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